Vistos. EUNICE MACIEL VIANA ajuizou ação contra ASSOCIAÇÃO AUXILIADORA DAS CLASSES LABORIOSAS, pela qual pleiteou a condenação da ré a promover o custeio do tratamento da leucemia que acomete a autora com o medicamento Dacogen (decitabina). Foi deferida em antecipação de tutela a cominação à ré da obrigação de custeio do medicamento mencionado na inicial. Citada, a ré apresentou contestação, pela qual pleiteou a improcedência da demanda. Houve réplica. É o relatório. Segue a fundamentação. Restaram incontroversas a relação jurídica contratual, a regularidade de pagamentos dos prêmios e o diagnóstico da moléstia que acomete o autor. O conflito concentra-se na exigibilidade da cobertura de tratamento quimioterápico, mediante a utilização, via oral, de medicamento regularmente comercializado no Brasil, a ser ingerido continuamente, por tempo indeterminado, cuja necessidade é comprovada mediante prescrição médica. Os avanços da ciência médica, felizmente, têm apresentado mais e mais amiúde, soluções a um só tempo menos desgastantes para o paciente, mais eficazes para a possível cura e menos onerosas em sua implementação, sem que por isso constituam tratamentos experimentais e/ou alternativos. Eventual exclusão de cobertura desta modalidade de assistência se afigura abusiva, porque seu custo não se equipara, ao custo da internação hospitalar. Ainda que não fosse financeiramente mais vantajoso, do ponto de vista do consumidor o custo é relevante, e o interesse buscado pelo consumidor com a contratação do plano de saúde é precisamente o de encontrar amparo para fazer frente a despesas de tal natureza e de tal relevância. Acrescente-se que, no estado de debilidade que, a estas alturas, caracteriza o estágio do paciente, a internação exporia o paciente aos riscos de infecção hospitalar e, excluído o instante da ingestão do medicamento, praticamente vinte e quatro horas por dia estaria isolado de seu ambiente familiar – com prejuízos psicológicos e emocionais – e, além de ocupar, desnecessariamente um leito hospitalar, estaria onerando a própria operadora com os custos das diárias completas. Em outras palavras, qualquer cláusula que exclua da cobertura o tratamento quimioterápico que possa ser realizado em regime doméstico, ou qualquer interpretação do contrato que leve ao mesmo resultado, é nula porque incide na abusividade da imposição de desvantagem excessiva ao consumidor, que ameaça o próprio objeto do contrato, ao carrear ao aderente o ônus de tratamento de saúde custoso (Código de Defesa do Consumidor art. 51, IV e § 1º, II e III). A pretexto da desnecessidade médica da internação a empresa exploradora do ramo da assistência médico-hospitalar-ambulatorial e/ou hospitalar não pode carrear ao consumidor o custeio da quimioterapia pois isso equivale a privar o consumidor da satisfação do interesse buscado com o contrato, que é o tratamento de sua saúde qualquer que seja a modalidade de quimioterápico a ser ministrado, ou seja, equivale a inadimplemento da avença. Se a ingestão do quimioterápico é a indicação do profissional médico, visando o combate à moléstia que põe em risco a vida do paciente podendo ser, até mesmo, menos dispendiosa, cabe à prestadora do serviço custeá-lo, porque tem condições de proporcioná-lo e não transferir o custo da obrigação que é sua para o consumidor, até porque o dispêndio só é menor em relação à prestadora. Não há que se falar, portanto, que a cobertura pleiteada ao tratamento quimioterápico venha a causar o “desequilíbrio do contrato” e que deferi-la representaria constituir uma obrigação de garantir de forma irrestrita a plena assistência médica a todos, indistintamente, como se a responsabilidade da empresa privada, prestadora de serviços à saúde, assumisse a mesma envergadura da responsabilidade que cabe ao Estado “A instituição dos planos e seguros de assistência médica e hospitalar, de custeio privado, tem a finalidade de completar a segurança do acesso à assistência que é Dever do Estado” (Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado, in Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo: RT, 2005, p. 51). Nas palavras dos eminentes doutrinadores, a essência que responde à colocação da empresa-ré: buscando “completar a segurança” devida pelo Estado, o cidadão estabelece uma relação jurídica de “custeio privado”. Estabelecida a relação contratual, às cláusulas contratuais deve ser atribuída a justa dimensão. E a real dimensão a ser dada às cláusulas contratuais, no presente conflito, está adstrita, como sucessivamente ponderado, à verificação de: existência da moléstia aludida; oportuna opção pelo tratamento indicado pelo profissional médico; ser a moléstia câncer e tratamento quimioterapia – ambos com previsão no CID e com direito à cobertura, nos termos contratuais; medicamento de uso quimioterápico, cientificamente aceito, além de ser comercializado no país. Por fim, a alegação de que a bula do medicamento demonstraria que ele não é apropriado para o tratamento da doença que acomete a autora não se sustenta, pois há de prevalecer a prescrição médica, mormente no caso dos autos em que a própria ré admite que a bula faz referência a moléstias correlatas. ISTO POSTO, julgo procedente a ação para, tornando definitiva a antecipação de tutela, condenar a ré a custear o tratamento prescrito à autora, pelo tempo indicado como necessário pelo médico responsável, sob pena de multa diária de dez mil reais. Condeno a ré ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios de dez por cento do valor atualizado da causa. P.R.Int. São Paulo, 30 de setembro de 2011. Luis Fernando Cirillo Juiz de Direito